Ele olhou o relógio dourado que se amoldava ao seu pulso esquerdo e exclamou mentalmente
-Quase três!
Levantou-se com um pouco de dificuldade da poltrona cinza e reclinável que ficava perto da janela de sua sala de leitura. Tinha uma bela vista de seu jardim e do parque que pontualmente às 15:00 visitava diariamente.
Após um banho quente e rápido, vestiu seu casaco azul pastel e pôs um lenço branco no bolso, pegou sua bengala e mais uma vez lastimou pelo seu vigor e habilidade física que se ia com o passar dos anos. Ao sair, pegou sua boina que estava no cabide perto da porta de saída e colocou um sorriso decidido no rosto.
Enquanto atravessava seu jardim a passos lentos, pensava em quanto tempo ja havia perdido e como hoje faria tudo ser diferente, lembrou-se também daquele sorriso e do rosto meigo iluminado pelo sol do lado esquerdo dos bancos do parque.
Apressou-se no andar o máximo que suas frágeis pernas conseguiram e finamente chegou ao banco que ficava do lado direito do parque e bem embaixo de uma frondosa arvore
- Local perfeito para observa-la - pensou consigo.
Esperou alguns minutos e quando já pensava que não apareceria, lá estava ela! vestida em amarelo, portando uma sombrinha e descalçando suas pequenas luvas brancas.
Exitou um pouco em ir fala-la um oi como costumeiramente fazia enquanto fingia estar apenas passando ao acaso, mas hoje ele faria diferente! Não suportava mais a ideia de não tê-la, mas como falar? Havia muito tempo que não cortejava mulher alguma, mas ele já tinha decidido e tomou folego e andou em direção à pessoa que ele mais almejará nos últimos cinco anos de sua vida.
-Boa tarde, posso sentar-me ao seu lado?
-Claro! alimente-os comigo - ela sorriu enquanto dava-lhe um punhado de farelos de pão com os quais alimentava os pombos.
Por um momento ele não soube o que falar, só ficava ali sentado, inebriado pelo perfume que dela exalava e admirado com o movimento dos cabelos dourados de sua amada ao sol.
-Posso falar-te algo que já tenho comigo ha um tempo?
ela suspirou, deixou de lado o que fazia e olhou-o docemente
-Fale-me - e sua voz soou como a brisa de abril em sua pele
-Tenho me guardado por muito tempo, mas percebo que não posso mais suportar a ideia de apenas observa-la de longe.
ela apenas sorriu e lhe fez um gesto para que continuasse
-Sei que pode parecer precipitado o que tenho à propor-te, mas acredite, é algo que está em mim ha anos.Quando olhei para você pela primeira vez, tu estavas iluminada pela palidez do sol de outono e foi tudo tão mágico em meu interior, que passei a observar-te todos os dias e me contentado apenas com o seu "olá" a cada vez que eu passava por ti. Sei que podes pensar que não a conheço o suficiente, mas eu sei suas manias, decorei cada vestido florido, sei em que mão carregas a sombrinhas e com qual começas a descalçar as luvas.
ela apenas o olhava estasiada por tudo que ouvia, já não alimentava mais os pombos e apenas fitava-o fixamente com os olhos. ele continuou
-Sei também que podes perfeitamente negar o que vou te propor, mas estou disposto a superar as dores e enfrentar os risco, apenas pela possibilidade de me dizeres "sim". Então minha doce dama, musa das minhas tardes, motivo pelo qual ainda disponho-me à sair de casa e observar as coisas belas do mundo. Quer ser minha para todo sempre?
ela não pode evitar o espanto, mas o que ele não sabia é que ela também o observara todo esse tempo e o conhecia tanto quanto ele a conhecia. Então ela o olhou fundo em seus olhos castanhos, tão profundamente que tocou-lhe a alma e disse
-Pra sempre? - já chorava um pouco - Mas nos resta tão pouco tempo!
ele a tomou pela mão, devolveu-lhe o olhar com a mesma profundidade e lhe falou
-Então vamos viver em nosso pouco tempo, toda beleza de uma eternidade. Por que tudo que mais quero é poder partir dessa vida um dia, com a magnifica visão dos seus olhos e com o sabor de teu beijo.
ela pôs-se de pé, enxugou as lágrimas que insistiam em escorre-lhe pelo rosto, estende-o a mão e falou com a mais suave e amorosa voz
-Vem, vamos começar finalmente a viver!